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4 de julho de 2024Arquimedes Martins Celestino *
A guerra causa extremo sofrimento às populações, além da destruição direta de capitais físicos e de incontáveis vidas. Isso é um axioma moral válido e consistente, que deve ser lembrado sempre que a guerra direta parecer ser a melhor opção para as divergências entre os países e os povos. Sempre foi válido, mas a tecnologia militar moderna o tornou muito mais evidente.
A guerra diminui o intercâmbio comercial entre os países. Parece também um axioma, algo inegável e ponto de partida para qualquer análise, mas é apenas uma possibilidade entre muitas de uma realidade bem mais complexa.
Um país submetido a um bloqueio comercial, implantado militarmente, pode ter as suas fontes de suprimento externo completamente obliteradas. Um exemplo de grande importância histórica é o da Alemanha e seus aliados na I Guerra Mundial. O efetivo bloqueio naval Inglês fez com que os Estados Unidos, teoricamente neutro nos três primeiros anos da guerra, tivessem seu vasto comércio com a Alemanha e Áustria reduzido a uma pequena fração do que era antes da guerra[i]. Mas ao mesmo tempo, as demandas criadas nas potências da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) pelo esforço de guerra e pelos imensos déficits públicos, justificados pelo conflito, multiplicou por 3,5 vezes as exportações americanas para esses países no mesmo período[ii], apesar da campanha submarina da Alemanha no Atlântico. O principal conselheiro do presidente americano Woodrow Wilson, Coronel Edward M. House, comentou que “os britânicos foram o mais longe possível na violação dos direitos de neutralidade, embora tenham feito isso da maneira mais cortês”[iii], ou seja, com sua frota de grandes navios de superfície, os britânicos interceptavam os cargueiros americanos que se destinavam a Alemanha, mas não os afundavam. Já com sua frota de pequenos U-boats (submarinos) a opção alemã era de afundar os navios destinados à Inglaterra e França, sem aviso prévio.
Para as potências centrais da Europa o bloqueio levou a fome em larga escala e foi um fator chave para o seu colapso político interno e capitulação em 1918. Mas o sistemático ataque ao intercâmbio comercial por ambos os lados durante a I Guerra Mundial trouxe consequências econômicas extremamente diversas aos países envolvidos no conflito, mesmo entre os vencedores. A Inglaterra perdeu a sua capacidade de ser o centro cíclico principal[iv] da economia mundial, o que inutilmente tentou recuperar durante o período entre guerras. A França se viu extremamente endividada com os Estados Unidos. A Rússia foi revolucionada pelos Bolchevique e continuou em guerra interna. Ao mesmo tempo, a grande expansão do comércio exterior americano, fornecendo diretamente para as potências europeias e substituindo-as nas relações comerciais com outros países, foi uma das alavancas que permitiram os “loucos” anos 20, onde a economia americana cresceu a altas taxas, antes de colapsar em 1929. Já em países periféricos, como o Brasil e a Argentina, a súbita falta dos produtos industriais europeus possibilitou o surgimento de indústrias embrionárias.
O sonho de um mundo de paz pela impossibilidade da guerra lucrativa
Depois de Hiroshima e Nagasaki a guerra em larga escala entre as potências foi considerada proscrita. A guerra fria e sua doutrina de Destruição Mútua Assegurada, apropriadamente denominada MAD em inglês, se caracterizou pela criação de um mundo bipolar, em que a maioria das guerras refletiam esses polos na periferia econômica. Na década de 90, após a desarticulação do bloco soviético, o mundo unipolar americano não ficou isento de guerras, pelo contrário, o intervencionismo direto, abrandado na década anterior, retornou em larga escala e a utopia de uma “Paz Americana” se viu rapidamente abalada. O Hegemon único esteve envolvido em constantes conflitos locais de pequena ou grande escala.
No século XXI começou-se a se criar uma percepção de que a guerra entre países com objetivo de domínio territorial era uma coisa do passado, por ser, teoricamente, antieconômica nas novas conjunturas. Parafraseando Yuval Harari, no seu best-seller “Sapiens”, o que adiantaria a China conquistar uma Califórnia semidestruída após uma campanha militar, em que conseguisse contornar a MAD, se o que poderia interessar aos chineses na costa oeste americana seriam as propriedades intelectuais e o know-how americano que não conseguiriam controlar por uma anexação de território e como as sociedades chinesa e americanas conseguiriam resistir ao imenso baque que um bloqueio comercial mútuo iria causar em suas economias altamente interligadas?
Mas se durante os dez anos anteriores, a guerra territorial pareceu ineficaz, 2014 aconteceu a bem-sucedida invasão russa da Crimeia, militarmente não contestada pelo ocidente. E então chegamos a 2022, ano em que a Rússia, pensando em repetir o êxito de 2014, resolveu que a aceitação dos vetos do ocidente não era mais viável e que a guerra híbrida não era suficiente para resolver os impasses existentes e invadiu maciçamente a Ucrânia. Porém o conflito se tornou um grande impasse, com muitas baixas militares para ambos os lados e exércitos quase paralisados. A guerra teve impactos imediatos nas cotações de internacionais de grãos e energia, que ainda estão repercutindo e transformando economias pelo mundo.
Logo no ano seguinte, Israel, em reação ao maior atentado da história contra a sua população, resolve destruir toda a infraestrutura de Gaza, em busca de uma “solução final” para o terrorismo do Hamas. Em 3 meses de intensos bombardeios avanços de infantaria, os Israelenses afirmam ter eliminado em torno de 5 mil combatentes do Hamas, com baixas de algumas dezenas de seus soldados, mas são acusados de massacrar uma imensa quantidade de população civil, com aproximadamente 25 mil civis mortos. Para efeito de comparativo, em 2 anos de guerra na Ucrânia, a imprensa informa centenas de milhares de baixas militares, de ambos os lados, e em torno de 10 mil civis mortos, a grande maioria Ucranianos. Essa disparidade, que evidencia um total desinteresse israelense em relação à sobrevivência da população palestina, este descalabro humanitário, para os padrões das relações internacionais do século XXI, gerou uma grande tendência de internacionalização do conflito, sendo os ataques a navios mercantes no Mar Vermelho pelos Houthis, grupo dissidente iemenita, e a imediata reação americana e inglesa, os eventos de maior impacto ao comércio internacional até agora.
Crise = risco + oportunidade (leitura analítica do ideograma chinês)
Se essas guerras em curso trarão benefícios econômicos aos seus promotores, mesmo que militarmente vitoriosos, ainda não podemos saber, mas o que podemos verificar é que existem muitos tipos de guerras, de bloqueios e de correlações de força. Aparentemente a “bomba dólar”[v], tentativa americana de inviabilizar o comércio exterior russo, com a exclusão do país dos sistemas de transações com dólar, como o SWIFT, foi altamente ineficaz. Pois a economia Russa se mantém relativamente estável. Por outro lado, quando a Rússia resolveu realmente bloquear as exportações marítimas da Ucrânia fechando o corredor marítimo estabelecido anteriormente no mar negro, os impactos foram imediatos, evidenciando que um bloqueio respaldado por ações militares concretas pode ser extremamente mais efetivo.
A dependência europeia, em particular alemã, do gás russo, transformou esse bloqueio econômico de total em parcial. Os russos contornaram os bloqueios ocidentais, por meio de economias efetivamente neutras, como as da Índia e da China, que obviamente se beneficiam economicamente destas oportunidades.
O uso quase militar das instituições financeiras e do dólar, pelos americanos, na Guerra da Ucrânia, trouxe renovado interesse na viabilização de outras moedas nos intercâmbios entre os países em inciativas como a dos BRICs. Assim como, ao tornar evidente a fragilidade alemã, ao depender fortemente da Rússia na sua matriz energética, a mesma guerra viabilizou politicamente os custos da busca de alternativas energéticas. Esses exemplos mostram como, ao ser exercidos diretamente de forma explicita, os sistemas econômicos de controle político internacionais tendem a se desgastar e se tornar progressivamente menos eficientes.
* É editor na Arquimedes Edições e mestrando em Economia Política Internacional pelo PEPI/UFRJ.
[i] De 170 milhões em 1914 para cerca de um milhão em 1916. Aloisio Teixeira em “Estados Unidos: a ‘curta marcha’ para a hegemonia”, 1999.
[ii] De 824 milhões para mais de 3 bilhões, no mesmo período, idem.
[iii] HOUSE. Edward, “The intimate papers of Colonel House: Vol 2”, 1928, p. 73.
[iv] Conceito apresentado pelo argentino Raul Prebisch em 1949.
[v] [v]TEIXEIRA. Hernani. “Sanções contra a Rússia: bomba-dólar, desglobalização e geopolítica”, 2022.