
A GÊNESE DAS FACÇÕES CRIMINOSASComando Vermelho e Terceiro Comando
15 de outubro de 2024Para baixar o PDF do artigo no Jornal dos Economistas, clique na imagem.
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Arquimedes Martins Celestino*
Durante décadas, o grande inimigo da esquerda foi o “Consenso de Whashington” e seu famigerado “Pensamento Único”. A sensação sufocante de que, após o fim da guerra fria, estava “tudo dominado”. Tínhamos a percepção de uma clara e incontestável hegemonia militar, econômica e ideológica dos Estados Unidos e de seu projeto neoliberal de globalização. GLOBALIZAÇÃO… Há quanto tempo você não escuta esta palavra de forma isolada e plena de um significado que era quase transcendente, um verdadeiro “fim da história”? A consolidação de um império do capital internacional, financeirizado, que não teria mais sede nem limites e que, por fim, deixaria bem de vida todos os que quisessem empreender, independentemente de fronteiras nacionais, e os homens lentos (conceito do geógrafo Milton Santos) que buscassem ajuda nas instituições de caridade.
O interesse pelo tema “globalização” hoje é decadente, tanto em buscas nos sistemas de pesquisa, quanto em notícias pelo mundo.
Fonte: Google Trends (https://trends.google.com.br), 03/02/2025
Fonte: Google Trends (https://trends.google.com.br), 03/02/2025
Fonte: OMC (https://stats.wto.org/)
Fonte: Google Trends (https://trends.google.com.br), 03/02/2025
Não que a internacionalização da economia tenha parado, ou mesmo diminuído de ritmo ou de interesse. Nas últimas décadas, o intercâmbio internacional de produtos e serviços cresceu substancialmente, mais do que dobrando de 2005 até hoje. E, provavelmente, você leu muito nos últimos anos sobre o crescimento das cadeias internacionais de valor, acordos bi ou multilaterais de comércio etc.
O que mudou foi quem se sente beneficiado por essa globalização econômica.
O que é hegemonia?
Para Gramsci**, hegemonia não é apenas o exercício do poder absoluto, exercido por coerção violenta ou econômica, mas um alinhamento de um todo social. Constitui-se das proposições de um estado ou grupo social que consegue fazer com que seus interesses sejam entendidos como interesses de todos.
Cox*** defende que o conceito Gramsciano de hegemonia é aplicável em nível internacional, mas que hegemonia não poderia, nesse caso, ser entendida apenas como imperialismo:
“para se tornar hegemónico, um Estado teria de fundar e proteger uma ordem mundial que fosse universal na concepção, (…) uma ordem que a maioria dos outros estados (ou pelo menos aqueles ao alcance da hegemonia) poderiam considerar compatível com os seus interesses. (…) O conceito hegemônico de ordem mundial baseia-se não apenas na regulação do conflito interestatal, mas também numa sociedade civil concebida globalmente.” ****
Estrutura bipolar, hegemonia com multilateralidade no “mundo livre”
Depois da segunda guerra, os EUA investiram muito na sua capacidade de exercer hegemonia. Os americanos foram fundamentais na criação de vastas instituições multilaterais, como a ONU, FMI e Banco Mundial. Investiram trilhões de dólares em sistemas de apoio ao desenvolvimento, como o BIRD, e de ajuda direta, como a USAID. Além de componentes jurídicos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e culturais, como Hollywood, TV, UNESCO etc. E conseguiram resultados incríveis com isso. Conseguiram, por exemplo, que o dólar americano se tornasse sinônimo de moeda internacional, mesmo após eliminarem as paridades cambiais, a conversibilidade em ouro, grandes desvalorizações, imensos déficits fiscais e comerciais. Guerrearam por todos os cantos, em nome da defesa do “mundo livre” e conseguiram que cidadãos do mundo inteiro se emocionassem com a bandeira americana aparecendo nos filmes, em que soldados americanos matavam pessoas dos mais variados países, para resgatar pessoas ou interesses que, por serem americanos, eram “de todos”.
Potência única, hegemonia globalizada e sem freios
Depois do fim da Guerra Fria, essa hegemonia se consolidou. Conseguiram implantar, em quase todos os países do mundo, os sistemas que propunham nesta época, de livre comércio e desregulação financeira e do fluxo de capitais. A globalização passou para o centro do noticiário. Durante os anos 90, entramos na “Nova Ordem Mundial”, quando nada parecia fora do alcance hegemônico. Foi a era das “intervenções do bem”, na Somália e Iugoslávia, entre outras, amplamente aceitas, apesar de não deliberadas em fóruns multilaterais. Após o 11 de setembro, a contestação apocalíptica da globalização ideológica, os Estados Unidos defenderam veementemente que suas reações extremas e totalmente arbitrárias, como a invasão do Afeganistão e do Iraque, a prisão e tortura de lideranças radicais mulçumanas e os assassinatos por drones, tudo isso realizado à revelia de qualquer sistema multilateral internacional, visavam salvaguardar os interesses de todos os povos “civilizados”. Que o campo de batalha desta “Guerra ao Terror” era o mundo inteiro apenas porque o terrorismo não respeitava fronteiras, e eles precisavam agir por todo o globo. Agir “legitimamente”, pois estavam defendendo os interesses de todos os povos contra os fundamentalistas.
Esta legitimidade pretendida, esse consenso defendido aos trancos e barrancos, era um dos fundamentos do que se entendia como hegemonia americana. Era a superestrutura ideológica da globalização econômica em curso.
Mas esse esforço hegemônico teve um custo para seus promotores para além de investimentos monetários diretos. Um dos problemas é que deu certo, alguns estados hegemonizados conseguiram alinhar seus interesses eficientemente com os do líder. Não todos, não o tempo todo. Mas vários por bastante tempo. Com isso, a sociedade civil, em larga escala, se “concebeu globalmente”, como define Cox. Então, investir nos EUA, na Coreia, na Malásia, na China ou no México passou a ter o mesmo significado político. São apenas business, e onde for possível ter menos custos também é possível ter mais lucros. “Nós controlamos tudo, então qual é problema?”
Para a sociedade americana a consequência da emergência dessa “sociedade global” nas últimas décadas foi uma ruptura. Uns lucraram muito com as rendas dos investimentos globalizados e com os salários e participações em profissões ligadas ao sistema mundial de inovação, do qual os americanos eram protagonistas. Outros apenas ficaram para trás. Podiam ser substituídos e foram substituídos, pois a substituição pelo mais eficiente monetariamente é o fundamento maior de todo o liberalismo. A desigualdade social explodiu e, em uma sociedade sem tradição de solidariedade institucional, isso significou até a diminuição da expectativa de vida.
Multipolaridade?
Em termos interestatais, houve um primeiro momento, dos anos sessenta aos oitenta, em que os “milagres” econômicos alemão e japonês incomodaram o líder, mas essas potências econômicas emergentes puderam ser controladas por mecanismos monetários. Afinal, eram países sob clara ocupação militar e totalmente subjugados ideologicamente, devido às suas devastadoras derrotas na guerra. Não é este o caso da China, da Rússia e nem mesmo da Índia, países que se beneficiaram, em algum momento das últimas décadas, da economia internacional liberalizada, mas não abdicarão facilmente de suas pretensões de autonomia estratégica, econômica, política, militar e ideológica.
No estado do Wyoming o consenso é que “Consenso de Whashington” não valeu a pena. Lá os 71% de eleitores de Trump, representante daqueles que ficaram para trás e dos que se sentem limitados pelos pudores multilaterais de uma sociedade global, como as bigtechs, concordam quando ele dá a entender que: “Hegemonia custa caro, dá trabalho, e permite que os concorrentes tenham oportunidades. Queremos ser apenas um Império. Não o Império do capital sem face. Mas o Império AMERICANO. Colher tributos diretos e indiretos e ordenar as coisas para que isso se perpetue.”
Muitos diriam: “Mas quando não foi assim?”.
A consequência econômica dessa unilateralidade acirrada e transparente, dessa abdicação da hegemonia ideológica em busca da manutenção de uma supremacia econômica, é mais óbvia e deve consistir em um aumento do protecionismo de todos os países, com a consequente diminuição do crescimento econômico mundial. Em termos militares, possivelmente teremos uma corrida armamentista na Europa e na Ásia, como não vimos desde a segunda guerra. E isso trará maior risco de conflitos. Já na política internacional os resultados me parecem menos óbvios. Presumo que gere aumento de posturas imperialistas por parte de outras potências. Imperialismo no sentido de intervenção direta na política interna de outros países. Afinal, é fácil não ser imperialista se você consegue comprar suas matérias-primas ao mesmo preço que todos, vender seus produtos em quase todos os lugares e ter seus capitais aceitos e transferíveis etc. Mas, ao afirmar que não estão minimamente interessados em manter as paridades de oportunidade e acesso, os americanos induzem todos a consolidarem as suas zonas de influência, não apenas economicamente, mas também politicamente.
O que nos resta? Acreditar que isso tudo é uma espécie de fascismo cosmético de um governo fraco, apenas para “americano ver”? Considerar que o grande capital financeiro internacional não vai permitir essa desagregação e que, portanto, nada vai mudar de fato? Enfim, vamos torcer pelo retorno ao Consenso de Whashington?
Artigo pulicado originalmente no Jornal dos Economistas – março de 2025: http://www.corecon-rj.org.br/anexos/EDA68A9F13F085ECB5C1178721BCEC22.pdf
* Arquimedes Martins Celestino, editor na Arquimedes Edições e mestrando em Economia Política Internacional pelo PEPI/IE/UFRJ.
** Gramsci, Antonio, filósofo e ativista marxista italiano.
*** Cox, Robert W., cientista político canadense e ex-funcionário das Nações Unidas.
**** COX, R. Approaches to word order. Crambridge: Cambridge Press, 1996.